05/06/2022

Llosa

sobre um livro alheio e, de passagem, umas notas sobre um dos maiores pulhas do séc.XX

09/05/2022

Para iniciar

a semana com as melhores das expectativas, não podia ser melhor.
      A parada militar na Praça Vermelha, em Moscovo, e o ‘decepcionante’ discurso de Putin aos mujiques. Porque, lá no fundo, o que a rapaziada paisanaespecializada em geopolítica, relações internacionais, artes de guerra, … que despontou como cogumelos e enxameia a comunicação social — mais ansiava era ouvi-lo ‘decretar’ guerra, e a consequente mobilização geral. Não o fez; ficou-se pela «operação especial», desnazificadora. Lástima, isso é o que temos há dois meses e picos.

      De fora, mas do lado de cá, multiplicam-se os devaneios, e a ‘afirmação’, de gente que se contenta em servir de estopim (1) ‒ não trazem à humanidade um ‘milavo’ de utilidade —, e nada mais que isso.

      Cá dentro, o perfume (2) que nos inebria é o mesmo. Mudar o(s) perfumista(s) não é solução não por frouxidão da fantasia ou destreino dos olfactos deles mas, por uma lado, a maestria de «cristais de massa» * e, pelo outro, narizes embrutecidos demais para distinguirem um aroma râncido de uma água-de-colónia.


(1) F.J. Viegas
(2) Joana Petiz
* designação atribuída por Elias Canetti a “grupos rígidos, firmemente delimitados, estáveis e visíveis, de pessoas que servem para desencadear massas”

10/04/2022

Da incompatibilidade entre lirismo e política

Descobriram que a senhora ― ou a senhora ‘descobriu-se’ ― faz parte do plenário da academia de Nuremberga, é jurista do Tribunal Penal Internacional – uma, entre 900 juristas provenientes de 100 Estados ‒ e imagine-se é tão, mas tão importante, que, de há semana e meia para cá não houve dia em que a senhora, a propósito da invasão da Ucrânia e do rasto de atrocidades que o banditismo fardado vai cometendo, não faça jus à notoriedade ignorada pelo público até ao presente.
Nestes termos nada contra com a sra. dra. do TPI e da academia de Nuremberga como com o Araújo Pereira, o Markl ou o Vasquinho Palmeirim. Emborca quem quer: porque sim ou porque gosta.
A questão é que Ricardo AP, Markl e o Vasquinho são pagos para fazerem de parvos, engraçados, mandar bocas, fazer de muito inteligentes e outras ‘coisas’ que tal, mas a sra. dra. Anabela Alves não existe para nada semelhante o que, no caso, equivale a sentenciar que, entre o dedo no ar e a prontidão para o «eu é que sei», devia rever muito do que profere e tomar uma boa dose de comedimento.
Sem mais delongas e porquês no fim da espremedura o que sobeja é: entre a ideia, a intenção, o desejo,… e a efectividade das ‘coisas’ há um imenso baldio que, umas vezes por isto e outras por aquilo, assim se mantém há séculos.
Quanto a apreciações fico-me pelo ínsito na gravura.
Atrevo-me a afirmar que se não forem os russos, seja lá por que meios fôr, a tratar da ‘encomenda’ em casa, nunca o TPI julgará Putin e os algozes ou, julgando-o, nunca o réu cumprirá a sentença.
Por uma imensidade de detalhes, casuísticos, e um outro imarcescível
quando os factos se dependuram no museu da História vão já despidos das manhas com que a malícia dos homens os embrulham e então, as ideologias, as ofensas, tudo aquilo com que a gente pretende negar as bestas que somos ” faz o resto.
Fiz-me entender?!


04/04/2022

Anatomia da comoção

Se qualquer um tem o direito a expor o ‘trauma’, acho-me no dever de dizer ‒ e qual ‒ a minha repugnância.
                                                                                     ~ • ~ 
As fotografias não são do Afeganistão, do Iraque ao tempo do Estado islâmico, nem de Srebrenica na Bósnia-Herzegovina. De onde nos chegam todos sabemos.
Aquelas não reverberaram por aí além no seio dos ‘civilizados’ porque, enfim, eram as incisões da temeridade de boçais amestrados, retratos de actos praticados por selvagens e, se há ‘coisa’ que os ‘civilizados’ possuem, é a exacta medida para não alimentar falsas expectativas ‒ ou seja, a boa expectativa é, cedo ou tarde, o pior; estas (pelo que ouço/leio) deixam um profundo sulco de repulsa nos ‘civilizados’.
Estão chocados, não há bicho-careta que não se diga chocado.
Ora o ‘choque’, que aquelas me causaram e me causam estas, é semelhante – não é igual porque jamais usei óculos cor-de-rosa e, como escreveu Vergílio Ferreira (1945), “com óculos cor-de-rosa só se vê o mundo cor-de-rosa enquanto dura a lembrança do outro do que o não era; ao fim de pouco tempo com óculos cor-de-rosa, a cor-de-rosa não existe”.
Digo que o meu choque ‒ no meio de tanta indignação e choque ‒ não faz oscilar, em um mícron, a agulha do sismógrafo. Mas o refinamento da manha, a cobardia dissimulada, a perfídia e a nequícia, …tudo o que compõe este «quantificador universal», leia-se, o mais requintado farisaísmo e a mais acrisolada hipocrisia, agora mais do que sempre, causa-me uma apreciável sucussão. 
                                                                                     ~ • ~
No dia em que o cúmulo dos ‘choques’, consequentes indignações e traumas ‒ políticos ou não, institucionais ou quaisquer outros, de Vladivostok a Santiago do Chile, de Cape Town a Rovaniemi ‒ conseguirem levar Vladimir Putin e os verdugos a sentarem-se no ‘banco’ para serem sentenciados, à semelhança de Milosevic e Mladic, eu retrato-me.


 

                      

 

27/03/2022

Daqui não saio, daqui ninguém nos tira

“Estou pronto para a assumir uma opinião que não está de acordo com a da maioria. É fácil criticarem-nos, mas actuamos pelos civis”; “é inútil colocar as pessoas umas contra as outras. O mais importante é preservar os funcionários e assegurarmos a nossa missão primária - alimentar as populações destes dois países. Nunca tivemos outro objectivo”; “todos os dias fazemos pão para os ucranianos e para os russos”; “acreditamos que podemos contribuir em tempos de inflação para proteger o poder de compra dos habitantes (…) se o Auchan sai, privaremos 30 mil funcionários dos seus salários - 40% deles são funcionários e accionistas”

 alegou Yves Claude, líder do grupo francês Auchan.

Evidentemente que, Yves Claude, está carregado de boas razões e a racionalidade do que profere é inatacável; o mesmo sucederia se, Yves Claude, tivesse proferido ponto-por-ponto uma alegação oposta para justificar a saída ou suspensão da actividade do grupo na Rússia.
Por aí não vamos lá: as pessoas e as nações possuem virtudes distintas e defeitos idênticos.
Coloco o assunto neste pé porque o verdadeiro, e absoluto, teste é impraticável.
Qual seria ele? Seria um imparável movimento de boicote às compras nas lojas do grupo, em todos os lugares, fora do território russo. De certeza que seria bem mais precioso ‘fazer o pão’ para um mercado de 500 milhões de clientes, potenciais, do que a preservar os cento e quarenta milhões de russos.
Verdadeiro e absoluto teste porque, Yves Claude, teria de optar sem vacilar — é que as pessoas (e as nações!), salvo raras excepções, portam-se com decência quando as circunstâncias não lhes permite outra escolha; e, Yves Claude, sem escolha, ficava com a opção facilitada.

No meu entendimento, a decência está além e acima destas 'contas' e, inúmeras vezes, é inconciliável. Falta justificar a «inconciliação», óbvia. Justifica-se pela vileza ‒ a sordície é o nosso património comum. Património comum é a comprovadíssima constatação – explicável pela existência do oposto.
Acresce que a «moralidade» é contingente e, em assuntos desta natureza, inapropriada senão vil.