27/03/2022

Daqui não saio, daqui ninguém nos tira

“Estou pronto para a assumir uma opinião que não está de acordo com a da maioria. É fácil criticarem-nos, mas actuamos pelos civis”; “é inútil colocar as pessoas umas contra as outras. O mais importante é preservar os funcionários e assegurarmos a nossa missão primária - alimentar as populações destes dois países. Nunca tivemos outro objectivo”; “todos os dias fazemos pão para os ucranianos e para os russos”; “acreditamos que podemos contribuir em tempos de inflação para proteger o poder de compra dos habitantes (…) se o Auchan sai, privaremos 30 mil funcionários dos seus salários - 40% deles são funcionários e accionistas”

 alegou Yves Claude, líder do grupo francês Auchan.

Evidentemente que, Yves Claude, está carregado de boas razões e a racionalidade do que profere é inatacável; o mesmo sucederia se, Yves Claude, tivesse proferido ponto-por-ponto uma alegação oposta para justificar a saída ou suspensão da actividade do grupo na Rússia.
Por aí não vamos lá: as pessoas e as nações possuem virtudes distintas e defeitos idênticos.
Coloco o assunto neste pé porque o verdadeiro, e absoluto, teste é impraticável.
Qual seria ele? Seria um imparável movimento de boicote às compras nas lojas do grupo, em todos os lugares, fora do território russo. De certeza que seria bem mais precioso ‘fazer o pão’ para um mercado de 500 milhões de clientes, potenciais, do que a preservar os cento e quarenta milhões de russos.
Verdadeiro e absoluto teste porque, Yves Claude, teria de optar sem vacilar — é que as pessoas (e as nações!), salvo raras excepções, portam-se com decência quando as circunstâncias não lhes permite outra escolha; e, Yves Claude, sem escolha, ficava com a opção facilitada.

No meu entendimento, a decência está além e acima destas 'contas' e, inúmeras vezes, é inconciliável. Falta justificar a «inconciliação», óbvia. Justifica-se pela vileza ‒ a sordície é o nosso património comum. Património comum é a comprovadíssima constatação – explicável pela existência do oposto.
Acresce que a «moralidade» é contingente e, em assuntos desta natureza, inapropriada senão vil.