. Miguel Granja – 31.10.23
Em nenhum outro conflito ou disputa a questão legal é tão central e invariável: o conflito em Caxemira, que envolve a Índia e o Paquistão, nunca é qualificado em termos da sua legalidade: Caxemira é “disputada”. Ponto final. Não há registos, por exemplo, de grandes manifestações em Londres e Paris contra a ilegalidade da ocupação turca do norte de Chipre, e o conflito curdo-iraquiano não desperta o mínimo interesse, nem legal nem outro, na opinião pública ou publicada. Se na maior parte dos casos as esferas do direito e da geopolítica são totalmente distintas e autónomas, e analisadas tendo como pressuposto essa distinção e essa autonomia, no caso de Israel elas são praticamente fundidas até à total indistinção. A forma como enquadramos um conflito também é parte do conflito.
O actual conflito na Ucrânia permite uma comparação oportuna. As análises ao exercício de legítima defesa da Ucrânia nunca incluem, por parte dos “especialistas”, recomendações a Zelensky sobre “proporcionalidade” e prelecções sobre a inocência dos civis russos.
Israel tem, pois, todo o direito de travar uma única guerra, que é ao mesmo tempo uma guerra única: a guerra em que ninguém morre, a não ser judeus; em que ninguém sofre, a não ser judeus; em que ninguém é desalojado ou hospitalizado, a não ser judeus. Em que a parte agredida tem como responsabilidade primeira a de proteger a parte agressora mais do que a parte agredida que está à sua responsabilidade; em que Israel tem mais deveres de protecção da população de Gaza do que o Hamas que a governa; em que Israel é obrigado a preservar intactos os hospitais, as escolas e as mesquitas que o Hamas armadilha e a partir dos quais ataca Israel. De acordo com o enquadramento legal vigente que rege estas matérias sensíveis, a guerra que não existe é a única guerra que Israel pode travar pela sua existência. Israel tem todo o direito de travar uma guerra impossível – e nenhuma outra.