19/04/2020

Rudimentos algébricos do termo

'O fim das ilusões' é parte do nome de um livro de Joaquim Aguiar e, à parte isso, não se trata de um trocadilho. Uma - as ilusões do fim - e a outra - o fim das ilusões - estão natural e irremediavelmente interligadas, mas não são o mesmo. Quanto muito, e não dependendo da perspectiva, se uma é um domínio, a outra será o contra-domínio *.
De forma inopinada e fragorosa revelou-se uma indeterminação de que se conhecem parte das consequências e, é consabida, a inexistência de «interferão». Estes dias de repercussão virótica são, para a Europa da União e sobremaneira para Portugal, o ponto de indeterminação que conforma a descontinuidade.

Quem gere ‘as ilusões do fim’ determina que a regra, a ordem é a de formar o quadrado a fim de circunscrever, de preferência para dissimular o ‘fim das ilusões’. A pundonorosa defesa da parafernália simbólica de que é exemplo (impassível e mau) o ridículo finca-pé com a cerimónia comemorativa do 25 de Abril na AR — “o 25 de Abril tem de ser e vai ser celebrado na AR”, o presidente da AR — é um estertor, uma reacção agónica.
O problema (deles) é não terem percebido  que, as respostas a contextos e narrativas românticas, hoje, não são o que foram. Já não há heróis de Iwo Jima nem voluntários para formar ‘brigadas ligeiras’ ou para ‘morrerem calçados’ e, no que estritamente nos respeita, episódios e narrativas do tipo ‘a corda ao pescoço de Egas Moniz’, a demanda pelas barbas de D. João de Castro, … não colhem.

Alexandre Koyré escreveu que ‘a mentira moderna’, em contextos destes, ‘é produzida em massa e dirige-se à massa. Ora toda a produção de massa, sobretudo a intelectual, destinada à massa é obrigada a baixar os seus padrões.’
É com este filtro, de entre outros, que devem ser lidas um sem-número de tarouquices não digeríveis por seres providos de mínimos, tais como
“o combate aos que promovem petições com números sem credibilidade nem controlo e a defesa da democracia constituem valores fundamentais
disse Ferro Rodrigues logo coadjuvado pelo bardo do sistema, Manuel Alegre, por outros meios [uma «petição»!] embora de forma dissonante.


* rudimentos que consentem a compreensão a qualquer literatelho em álgebra

18/04/2020

Gerberas e crisântemos para um, cardos para o outro

Em dias consecutivos faleceram Luís Sepúlveda e Rubem Fonseca. Ambos latino-americanos - um chileno, o outro brasileiro. O chileno era vizinho e, a convite, visitava-nos muitas vezes; o brasileiro era filho de portugueses daqueles trasmonteses coitadinhos de antanho e é quanto basta.

De Sepúlveda, li e possuo «As rosas de Atacama» e «A sombra do que fomos» e desmereceu reduzir o espaço vago na biblioteca; de Rubem, li e tenho «Secreções, Excreções e Desatinos» e «Ela e outras mulheres» e não outorgou opção diferente. Presumo que, literariamente falando, ambos tiveram méritos nada que os guindasse acima da mediania, ou seja, os fizesse grandes escritores, mas… A diferença entre os talentos e a qualidade da arte de ambos, se existe, é imperceptível. Foram vulgares, ambos, que lograram ver editados livros de sua autoria. Não foram as ‘musas’ as mesmas nem a fortiori as parcas — a circunstancialidade de ambos e um olfacto mais apurado na detecção do ‘aroma do tempo’ inscreveram o resto.

E foi somente isso que determinou que, a comoção incontida, as gerberas e os crisântemos, fossem para ataviar a memória de Luis Sepúlveda e os cardos, leia-se descaso, para ornar a de Rubem Fonseca.
É que Luis Sepúlveda foi serviçal de S. Allende e, derrotado, jamais largou o esqueleto e o espectro, e Rubem Fonseca foi apoiante ou não o verberou! do «Golpe de 64»; Luis Sepúlveda fugiu e fez, da ‘evangelização’ bem comida e bem bebida, vida, e Rubem Fonseca contentou-se com a sua brasilidade e as tortuosidades brasileiras.

12/04/2020

Uma gota de água vulnerária


Passam os dias, as semanas, entre notas relacionadas com a vida política e as que me interessam na maioria das vezes por inércia, e noutras por opção, permanecem como o ataúde de Maomé. É a vitória da prevalente sofística, que envelhece durante o dia para rejuvenescer na manhã seguinte, alimentada pelo sangue dos émulos que nela vão desembarcando. O critério é «a união dos muitos contra os poucos» o paraíso da dialéctica fácil, o éden da silogística, da inversão, da confusão e da mistificação; não é a inteligência, é a bruteza.
A sofística é, sempre foi, o atoleiro feraz da incultura; e a contemporânea organizada do modo que mais lhe convém ou seja, desorganizada [os palermas doutos em termodinâmica esfregam o ego, satisfeitos, designando-a «entrópica»] é a comunicação intelectualóide circunscrita a um sistema de trincheiras em que, cada vez mais, as hordas passeiam a sua suficiência pela «terra de ninguém».

É impensável lutar contra a sofística porque fazê-lo é disponibilizar-se para desfiar as meadas que Penélope enleou. O trágico — é o meu convencimento — é que uma pessoa inteligente não luta contra isso porque de duas, uma: ou colabora e entra no jogo, ou se prepara para a exoneração, voluntária. É o enésimo triunfo da sofística em relação aos transactos, o presente é irrestrito e amplíssimo.

Um dia destes para um amigo, em nota reservada, fiz minhas as palavras de Wittgenstein para Paul Engelmann (1925) — “Não me sinto bem, e não é porque me incomode a minha porcaria, mas é por estar no interior da porcaria.
É que fazer aterragens suportáveis no solo da factualidade exige que se apreendam as ‘coisas’ tal como elas são e se realizem os inevitáveis actos vitais sem afundar ainda mais na porcaria. É o preço a suportar por não ‘descer das áridas alturas da inteligência para os verdes vales da estupidez.é muito difícil e desmerece o ‘custo da oportunidade’.

Não há exemplo mais eloquente escrevo mesmo, magníloquo, do que a «rede social» chame-se ela Facebook, Twitter, Instagram, … Eis um de milhões brevíssimo exemplo, fresquinho, entre ‘um senhor que desconheço, comum, mas não parvo’ e uma individualidade ‘cabeça-de-cartaz, muito frequentado’
O comum — O socialismo acaba quando se acaba o dinheiro, e neste caso isso está prestes a acontecer.
Cabeça-de-cartaz — Isso é a sua perspectiva, naturalmente aplicável às sociedades capitalistas, que é o nosso caso!
O comum — Eu tenho um defeitoescrevo sempre a minha perspectiva.
[Obs.: Não pasme, a ‘cabeça-de-cartaz’ não ficou envergonhado; a opulenta e fecunda pulsão argumentativa não quedou por isso]

09/04/2020

A laranja


Dois gomos





















(…)
amarga e doce/
(…)
    vossa
minha alegria, minha amargura/
(…)

04/04/2020

As intermitências de um palhaço

O senhor Presidente da República na segunda-feira, próxima, fará uma vídeo-conferência com os presidentes dos cinco maiores bancos de Portugal
[vejo em rodapé na CMTV que «exigirá» (o seu a seu dono disto ninguém o pode acusar) — puxa! Quem pode, pode.].
Parabéns! Entretanto dá a saber — a todos nós, e aos CEO da banca — que, caso necessário, sacará do irrefragável «esforço dos contribuintes para viabilizar o sector financeiro» como apetrecho dissuasor. Porque “é chegada a ocasião de retribuir aos portugueses aquilo que fizeram”.

Ora, o senhor Presidente da República merece que lhe seja respondido, que
1 – a ajuda que os portugueses deram, está paga; e com a remuneração exigida pelas instituições ‘aceitantes’;
2 – a parte que não foi paga é a que respeita aos bancos que foram pilhados e que foram geridos por «ladrões de casaca» que – casualidades da vida compunham (ou compõem!) a sua távola redonda. É mentira? É preciso nomeá-los?!
3 – a ‘ajuda’ à CGD que é do povo tem de ser desconsiderada porque o proprietário jamais ajuda o que a si pertence. Ou aguenta e desespera ou deixa cair, e cala-se!
Mais: avisa que pretende ouvir soluções “para que o dinheiro chegue ao terreno” — espero que esteja capaz de lhes atirar á cara que já têm os «saques especiais» creditados nos respectivos balanços e que, portanto, … — com a maior rapidez, visto que os “processos bancários às vezes são demorados e difíceis.” — em conformidade aguardo que também lhes possa atirar à cara que, a lei da república que os exime de fazerem análise de risco, está aprovada e homologada pelo presidente e, por exemplo, a lei que os proíbe de remunerar créditos, também.

Fora esta intermitência, o normal é o restante contínuo composto pelas demais intermitências. Enfim, a tristeza que a malta gosta.