19/04/2023

O bater de asas do colibri de Wall Street

Em janeiro de 2022, quando os juros das Obrigações do Tesouro (OT) a 10 anos dos Estados Unidos ainda rondavam 1% e os das Bunds alemãs na mesma maturidade eram de 0,5%, adverti que a inflação afectaria tanto as ações como as obrigações. A inflação mais elevada conduziria a um aumento das “yields” da dívida, o que, por sua vez, penalizaria as acções à medida que o factor de desconto dos dividendos fosse aumentando. No entanto, ao mesmo tempo, os juros mais elevados das obrigações – um activo considerado “seguro” – implicariam também uma queda do seu preço, devido à relação inversa entre as “yields” e o preço das obrigações.

Este princípio de base – conhecido como “risco de duração” – parece ter sido esquecido por muitos banqueiros, investidores em obrigações e reguladores da banca. À medida que o aumento da inflação em 2022 foi levando a uma subida dos juros da dívida, as OT a 10 anos perderam mais valor (caíram 20%) do que o índice S&P 500 (que recuou 15%) e quem quer que detivesse dívida de longa duração denominada em dólares ou euros é que teve de arcar com as consequências. E as consequências, para estes investidores, foram severas. Em finais de 2022, as perdas não realizadas [isto é, que ficam em suspenso no balanço] dos bancos norte-americanos com dívida soberana dos EUA ascenderam a 620 mil milhões de dólares, o que correspondeu a cerca de 28% do seu capital total (2,2 biliões de dólares). Para piorar as coisas, o aumento das taxas de juro também reduziu o valor de mercado de outros activos dos bancos.
Se um indivíduo contrair um crédito bancário a 10 anos quando as taxas de juro de longo prazo estão em torno de 1% e depois esses juros subirem para 3,5%, o real valor desse empréstimo (o que outra pessoa no mercado pagaria por ele) diminuirá. Tendo isso em conta, as perdas não realizadas dos bancos norte-americanos ascendem actualmente a 1,75 biliões de dólares – ou 80% do seu capital.
A natureza “não realizada” destas perdas é um mero artefacto do actual regime regulatório, que permite que os bancos avaliem os títulos e empréstimos pelo seu valor facial em vez de os avaliarem pelo seu verdadeiro valor de mercado.