Vai
para quarenta anos, a administração do BPSM (Banco Pinto & Sotto-Mayor)
presidida pelo prestigiado tecnocrata (sem ironia) Loureiro Borges decidiu
unilateralmente e sem dar conhecimento aos depositantes, fazer uma necessária,
e urgente, limpeza no balanço leia-se, aliviar o ‘peso’ das operações passivas ‒ umas largas dezenas de milhões de contos. O
que fez? Depósitos superiores a cinquenta contos em regime de capitalização, no
vencimento, não capitalizavam. Os depositantes residentes tiveram condições
para reagir no sentido de minimizarem perdas, mas os depositantes emigrados não
tiveram ‒ o segmento focado
era mesmo este: BPSM e CGD detinham o portfolio da emigração; o BNU, o BPA e o
BF&B eram pouco expressivos.
A
banca ainda estava nacionalizada e, por conseguinte, equacionar a possibilidade
de mexer na componente «balanço social» ou seja, chamar à mesa a direcção dos recursos
humanos, por exemplo, era inimaginável. A banca nacionalizada detinha uma outra
função: não contribuir para o desemprego.
A
boa-fé, o respeito pelos depositantes, o desvelo no cumprimento das mais
basilares regras negociais, … da ‘banca ao serviço do povo’ foi assaz ‘eloquente’. Dos sindicatos não se deu por balbúcio que fosse!
Assim
ou assim, o desiderato gestionário foi alcançado sem espinhas e a reacção, quer
de clientes residentes, quer dos emigrados, foi a que deu para tornar os dias seguintes indistinguíveis dos dias anteriores.
Há
quarenta anos, saídos de uma longa noite escura, ainda nos habituávamos à luz
do dia; há quarenta anos o ‘meio’, em quaisquer das acepções que nos aprouver,
era o excepcionalissimamente descrito pelas jeremiadas de Eduardo Lourenço (epistolares,
mais do que públicas, como lhe convinha. E fez prova de que tinha razão) e/ou de Jorge de Sena como “este deserto onde estou”, “de geração em geração a
passarmos uns aos outros o «isto dá vontade de morrer». Ainda se ao menos
soubéssemos que isso serviria para alguma coisa.”, “charco lusitano”, “aparecem,
juntam-se, parecem todos e só são alguns”, “um ‘contra’ que, ainda por cima, é
uma colecção de canalhas igual ou pior da que está no poder”, “um bando de
idiotas incompetentes”, “enjoado de mediocridade e mediania gloriosa”, “cultura de borras”, etc...
Quarenta
nos volvidos ‒ o suficiente para
duas novas gerações fazerem prova de vida, e uma terceira a encher os pátios
dos jardins-de-infância e escolas de correrias e gritos ‒, coetâneos da «geração mais bem preparada de
sempre», detentores de um armazém de ferramentas operativas e comunicacionais não imaginadas pelos comuns há dois decénios, o ‘meio’ esclarecido ‒ o bastante para se permitir opinar
cientificamente convicto, dar publica forma aos ditâmes pessoais e, melhor,
dar-lhes uso apropriado sempre que são chamados a meterem as meninges e as
impressões digitais no destino do país e com ele, da sociedade ‒ que evoca saltos quânticos com o à vontade que eu não tenho para ir muito além, entre outras, d'a regra de Hund ou que, polímatos, citam profusamente Schopenhauer e outros ainda muito mais lidos e estudados sejam eles da Jónia, de Mileto ou Éfeso, de Bizâncio ou Samarcanda com o à vontade com que eu não me atrevo a citar, sei lá, Júlio Diniz...
..., esse 'meio', há
poucos dias, numa dessas esplêndidas ágoras aonde a massa esclarecida,
que dá forma e conteúdo à ‘coisa’, diz das suas razões, dois contendores
escreveram sobre “inflação e corte de salários ao tempo da ‘troika’”
- Sim, vivo melhor. Não me cortam o subsídio
de férias e/ou de Natal
- Mas cortam no seu poder de compra!
- Eu não quero poder de compra; quero pagar
as minhas despesas condignamente com o resultado do meu trabalho. Consegue
perceber? Estude um pouco! *
Já me dava eu, que não sou das 'humanidades', por contente se, passados oitenta anos sobre a constatação de Vergílio Ferreira (09.1944) para um 'ensaio', falhado ou, melhor, descontinuado, de Diário ― "não deixamos em descanso o próprio Homero que, aliás, é bem conhecido dos que não o leram" ― tivesse de a considerar datada. Mas não: passa de pais para filhos e não há massa crítica, própria ou importada, que dê ocasião para mudar o curso a essas impressivas, notórias e comuns 'virtudes'.
* aconselha, irritado, quando topa que o interpelante é asno além de, ou por isso, calão.