17/07/2019

Da imoderada ‘pluma’ da Clarinha, e similares

Um texto – «Colonialismo e Crueldade» in Revista (Expresso), 13.07.2019 – que me embrulhou o estômago pela infrene desonestidade intelectual do renque de mecos que enxameiam a imprensa nacional – um escol que se dá ares de polígrafo, e que tão bem patenteados ficam pela esgrouviada ‘pluma’ de Clara Ferreira Alves.
Deles e das suas ‘obras de fancaria’ — mas que dada a edição profusa e contínua, fazem lastro — escreveu no transacto dia 12.07, António Guerreiro, socorrendo-se de Sloterdijk
Este mundo da opinião é agonístico, isto é, alimenta-se das ilusões marciais, das virtudes heróicas, e imagina-se sempre em combate para dar provas de existência. Além disso, é quase exclusivamente reactivo, parasitário e amplificador de ecos. (…) o universo constituído pela secção dos media designada por “opinião” deve-se em grande medida a ter adquirido o estatuto de posto fixo. (…) a opinião realizada por este novo proletariado incita à teatralidade, à virulência, à lógica da irrupção (…)”
Escreve a lady, sempre pedante, Basta ler os guias da Índia (…) ” (1);
presunçosa e irresponsável — como quantos se atiram a discretear sobre a valia dos registos Akáshicos ou do princípio Antrópico com o mesmo à vontade e autoridade com que especulam sobre os danos, eventuais, que poderão ser causados pelo buraco no passeio da sua rua — grafa
O colonialismo português, com as tropelias e guerras, nunca produziu um escritor (…) Não produziu nada de extraordinário depois das epopeias, tragédias e relatos do século XVI e XVII” (2);
ignara e incapaz de compreensão do omisso no ‘prontuário’, confessa
Sempre pasmei da ausência de ressentimento tanto nos intelectuais como na gente simples de um país que condenámos à miséria e à corrupção.(3)

É verdade que i) fazem prova contínua das suas inaptidões para habitar, conciliando-os, os Mundos II e III de Popper, ii) infelizmente não é a plateia que, grosso modo, está capacitada para os denunciar – se estivessem não a compunham, iii) os que estão e optam por não os confrontar, fazem mal, tornam-se coniventes, são perpetradores.
E verdade será que iv) por mais que se desunhem, jamais chegarão além de despenseiros desta birosca – aliás, são os primeiros interessados em que o ‘meio e o ambiente’ não sejam reconhecidos acima da birosca. Mas são os baronetes, a fidalguia deste meiinho kitsch


Walt Whitman ajuizou que
Independentemente do que tenha sucedido em anos passados, o uso da faculdade imaginativa consiste em dar aos factos, à ciência e às vidas comuns a derradeira vivificação. Sem essa vivificação a realidade pareceria incompleta, e a ciência, a democracia e a própria vida, fundamentalmente vãs.
Pois! o renque de mecos vai vivificando como que mais lhes convém. E ai de quem vivifique fora do penico!

A questão, primígena, mantém-se:
— dada a edição profusa e contínua, fazem lastro.
A leitura instigou-me, porém, para a compreensão do banimento do luso-tropicalismo a partir da década de 60 do século XX. Escreveu a menina que
“o colonialismo foi depois amalgamado numa teoria de luso-tropicalismo recheado de imbecilidades como as que ouvi dizer a alguns diplomatas e académicos de antanho. Os ingleses fizeram a guerra e nós (…) mestiçámos. (…)”
Por que diz ‘recheado de imbecilidades’? Porque Sérgio Buarque de Holanda diz, de Gilberto Freyre e o do luso-tropicalismo, o seguinte
"Analisando o português como povo colonizador por excelência, não se cansa Gilberto Freyre de acentuar, entre seus traços positivos, a tolerância contínua, a constante docilidade a toda sorte de influxos externos, que o impedem de enrijar-se numa estrutura definitiva e perfeita. Por estranha fatalidade, os mesmos elementos que o habilitariam a prolongar-se tão valentemente em outros climas são talvez os que ajudaram a atrofiá-lo na pátria europeia. A sua força foi a sua fraqueza.  Essa impermanência, esse abandono de si, podem condizer com as melhores virtudes evangélicas, mas a cidade humana pede alicerces mais vigorosos. (…) O triunfo do português como povo colonizador vem precisamente das generosas qualidades que teriam provocado seu relativo insucesso como povo europeu. (...)."
Ou seja, o bastante para o banimento da tese herética e desafios respectivos, e o suficiente para fazer de Gilberto Freyre estudioso não recomendável. O luso-tropicalismo colid(ia)e frontalmente com a onda progressista/terceiro-mundista. As excepções são inadmissíveis!
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Atrevo-me a escrever sobre o renque de mecos — uma peste! — que enxameia a imprensa nacional o mesmo que Camus diz n’A Peste [uma alegoria do fascismo] sobre os motivos pelos quais, o médico, não se juntou à celebração da debelação da ‘peste’
sabia o que a multidão eufórica ignorava: o bacilo da peste não morre nem desaparece, nunca: fica adormecido dezenas de anos nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nas caves, nas malas, nos lenços e na papelada. (…) sabia também que, para desgraça e ensinamento dos homens, a peste acordaria os seus ratos e os mandaria morrer numa cidade feliz.

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(1) para os efeitos convenientes mais proveitoso seria referir «O solilóquio do rei Leopoldo» de Mark Twain pelas razões seguintes. A saber
i) é cronologicamente mais próximo – séc. XIX e XX;
ii) era geograficamente vizinho – África Austral em vez do Índico e além;
iii) é uma narrativa que, decerto, lhe será mais cara;
iv) o prefácio de António Araújo é um documento - vale mais do que o ‘solilóquio’ em si;
v) aquilo, lá pelos Congos, foi realmente muito mau

(2) Pudera! A menina e a Alexandra Lucas Coelho, o José Luís Peixoto e o Valter Hugo Mãe, só se apresentaram no dealbar do séc. XXI

(3) leia por exemplo Naipul, sem palas.