25/02/2023

A industrialização da 'inteligência'

E nós somos os seus idiotas úteis.

Hannah Arendt n’"A Crise da Educação" escreveu que cada nova geração era como uma invasão bárbara, que os adultos tinham de civilizar - cabia aos detentores da ordem, aos conhecedores das leis do mundo, etc. iniciar os recém-chegados.
Hoje, no vórtice digital do século XXI, não são os bárbaros que saqueiam Roma mas os antigos romanos que, pela manhã, já não reconhecem a sua cidade. Tornamo-nos bárbaros no nosso próprio mundo. 
A ‘história’ já não nos aniquila antes de, alguns séculos depois, construir algo novo sobre escombros de guerras e invasões: deixa-nos no lugar. Teremos a IA que fizermos por merecer.
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Sempre detestei flores artificiais. Desse futuro não terei saudades. 

24/02/2023

As entoações de um mote

Múltiplas são as razões - e do meu ponto de vista nenhuma razoável - para replicar a 'prédica' de Putin sem filtragem. Foi/é, neste contexto, para os russos e russófilos, a dosagem de Murti-Bing imaginada por Witkiewicz - quem as toma fica 'sereno, feliz e imune a problemas ontológicos'. As pílulas que os ucranianos recusam 
engolipar.
Czeslaw Milosz, que infelizmente sempre foi tão ignorado entre nós, apesar de editado, é uma boa alternativa ao nunca editado Stanislaw Ignacy Witkiewicz (Insaciabilidade), escreveu em 1981 
"é enorme a vulnerabilidade da mente do séc. XX perante as doutrinas sociopolíticas e a predisposição para aceitar o terror do totalitarismo em nome de um futuro hipotético", "o poder de atracção do pensamento totalitário, seja ele de esquerda ou de direita, não é coisa do passado; pelo contrário, parece estar a aumentar".
Dos russófilos 'ocidentais', no actual contexto, há que dizer-lhes o mesmo que Milosz disse em tempos - "a diferença entre os intelectuais do Ocidente e do Leste reside no facto de os primeiros não terem levado, a sério, no cu".

                                                                   

Members of the Federation Assembly – senators, State Duma deputies
Citizens of Russia

This Presidential Address comes, as we all know, at a difficult, watershed period for our country. This is a time of radical, irreversible change in the entire world, of crucial historical events that will determine the future of our country and our people, a time when every one of us bears a colossal responsibility.
One year ago, to protect the people in our historical lands, to ensure the security of our country and to eliminate the threat coming from the neo-Nazi regime that had taken hold in Ukraine after the 2014 coup, it was decided to begin the special military operation. Step by step, carefully and consistently we will deal with the tasks we have at hand.
Since 2014, Donbass has been fighting for the right to live in their land and to speak their native tongue. It fought and never gave up amid the blockade, constant shelling and the Kiev regime’s overt hatred. It hoped and waited that Russia would come to help.
In the meantime, as you know well, we were doing everything in our power to solve this problem by peaceful means, and patiently conducted talks on a peaceful solution to this devastating conflict.

16/02/2023

De mal-entendidos se faz uma imensa mistificação

A quem aproveita?

João Pedro Marques
numa conversa 'incorrecta' com o foco na escravatura, mas abordando também o 
wokismo, Joan Baez e George Orwell. Foi professor universitário e do ensino secundário e investigador do Instituto de Investigação Científica Tropical. Especialista em História da Escravatura, tem sido uma das principais vozes críticas contra o politicamente correcto em redor das questões raciais.

Existe a ideia de que foram as revoltas dos escravos que foram determinantes para a abolição da escravatura. Destaca a preponderância do movimento abolicionista na libertação dos escravos nas colónias, do papel dos ocidentais nesse processo e defende que o primeiro país a abolir a escravatura foi o actual Haiti, antigo Saint-Domingue…
Essa opinião está errada. Quer dizer, estritamente falando, está errada. Repare, o jogo aí é utilizar a palavra “país”. É isso que condiciona, deturpa e esconde o que foi a realidade. Os estados do norte dos Estados Unidos da América já estavam a abolir a escravidão. Começaram a fazê-lo na década de 70 [do século XVIII], ou seja, quase 30 anos antes de o Haiti se ter tornado independente [em 1804]. O Vermont, a Pensilvânia, Nova Iorque… A pouco e pouco, esses estados do norte dos Estados Unidos iam abolindo, de uma forma gradual, a escravidão. Mas naquilo que viria a ser o Haiti, já a França tinha abolido a escravidão. Ou seja, o primeiro país a abolir a escravidão, foi a França. Globalmente, foi a França, em 1794, em plena revolução francesa. O comissário francês que na altura estava na colónia francesa então chamada São Domingos [Saint-Domingue ], um indivíduo chamado Sonthonax, em 1803 decretou a abolição da escravidão. No ano seguinte, a Assembleia em Paris ratificou a medida do seu comissário e aboliu em todas as colónias da República Francesa. Portanto, o primeiro país a abolir a escravidão foi a França. É verdade que, adiante, no tempo de Napoleão, a medida foi revertida. Em 1802, Napoleão repôs a escravidão. E quando o Haiti se tornou independente constitucionalmente, em 1804, aboliu definitivamente a escravidão nessa região. Mas, como vê, a história é mais complexa do que essa visão taxativa. De facto, os abolicionistas foram decisivos. Sem os abolicionistas, boa parte dos quais brancos, não teria havido abolição. Isto não é uma opinião exclusivamente minha. Muitas colegas historiadores defendem este ponto de vista, mas são quase todos velhos como eu, não é? Anteriores à chegada do wokismo.

15/02/2023

A Free World, If You Can Keep It

Ukraine and American Interests

Robert Kagan in Foreign Affairs

Before February 24, 2022, most Americans agreed that the United States had no vital interests at stake in Ukraine. “If there is somebody in this town that would claim that we would consider going to war with Russia over Crimea and eastern Ukraine,” U.S. President Barack Obama said in an interview with The Atlantic in 2016, “they should speak up.”
Few did.
Yet the consensus shifted when Russia invaded Ukraine. Suddenly, Ukraine’s fate was important enough to justify spending billions of dollars in resources and enduring rising gas prices; enough to expand security commitments in Europe, including bringing Finland and Sweden into NATO; enough to make the United States a virtual co-belligerent in the war against Russia, with consequences yet to be seen. All these steps have so far enjoyed substantial support in both political parties and among the public. A poll in August last year found that four in ten Americans support sending U.S. troops to help defend Ukraine if necessary, although the Biden administration insists it has no intention of doing so.

12/02/2023

O direito a ser julgado por humanos

Lucubrações (algumas, porquanto são mais as omissas que as explícitas) impróprias para psitacídeos e uma decorrência, corolário, que, para mim é óbvio ― o óbvio restringe-se ao que aduz Rob Riemen "uma variante do fenómeno da negação é a ideia de que mudar as palavras também muda os factos" e, nesta medida, tudo o que vai além discute-se, sim, mas no domínio exclusivo da percepção. Entre nós é comum invocar-se o óbvio não para rastreio ou questionamento, mas para reproduzir obviedades, alarvemente. É, por sua vez, nesta única dimensão, a da 'engenharia da percepção', sobre a qual Orwell e Karel Čapek discretearam, e ambos depois de Stanisław I. Witkiewicz o ter feito. Witold Gombrowicz, por ter errado o caminho de salto, foi para a Argentina, ficou-se a lamber as feridas.