o nosso melhor esteio e o melhor símbolo do país" *
“Quando desafio Inês Sousa Real para um debate ela desaparece ”
Luís Guimarães, físico
nuclear, critica os ministros do Ambiente e partidos como PAN, Verdes e
organizações que não se baseiam na ciência. Defende que a energia nuclear é
mais segura e limpa e que temos de derrubar os preconceitos.
Atirar sopa a quadros, pedir combustíveis mais baratos ao mesmo tempo que se quer diminuir o consumo e viver com energia 100% renovável são erros, que os ambientalistas tradicionais cometem.
Luís Guimarães trabalha como Data Scientist numa empresa de telecomunicações, é um dos
co-fundadores da RePlanet Portugal. A organização defende um ambientalismo com base na ciência, sem crenças ou preconceitos. Professor
convidado numa universidade pública considera que, para
conseguirmos uma descarbonização, temos de apostar no nuclear - é uma opção segura.
Há
uma pergunta na cabeça das pessoas desde o começo da guerra na Ucrânia, quando
os russos se aproximaram da central nuclear de Zaporizhzhia: quais são os
riscos que nós corremos?
Zero.
A central de Zaporizhzhia são seis reactores soviéticos, dentro de um edifício
de contenção que está desenhado para resistir ao impacto de um avião de
passageiros, grande. São paredes de betão reforçado de 1,20 m. O combustível
nuclear, do tamanho de gomas, são
pellets cerâmicos e apenas ficam radioactivos depois de estarem no reactor. Não
são solúveis em água e só derretem a temperaturas muito elevadas, bastante
acima das temperaturas de operação de 300ºC de um reactor convencional. Não há
um mecanismo eficaz de espalhar combustível nuclear sem que este seja
fortemente diluído na atmosfera, deixando de ser perigoso ao fim de alguns
quilómetros. Explosivos convencionais não são suficientes para pulverizar estes
pellets. Portanto, o alcance do pior evento possível em Zaporizhzhia, estaria
circunscrito à zona da central, algo como um raio de 20 km. As áreas de protecção
destas centrais são de 30 km, por motivos de segurança. Mesmo a pior explosão
convencional, independentemente de serem seis reactores como em Zaporizhzhia,
ou apenas um, teria impacto na área circundante da central num raio pequeno. O
pior que poderá acontecer em Zaporizhzhia através de métodos convencionais de
sabotagem terá efeitos muito localizados. E uma central nuclear não explode.
É
uma ideia que se tem.
Não
é uma explosão nuclear. Todos os acidentes até agora, e foram três, vivem no
nosso colectivo, mas não foram tão graves como se pensa. Esta informação é pública.
Porque
diz isso?
Se
olharmos para os números da OMS, as mortes directas de Chernobyl foram menos de
100. Foi muito grave para as pessoas envolvidas na primeira resposta ao
desastre, porque não houve precaução e foram sacrificadas. Há números que dizem
que quatro mil pessoas poderão ter desenvolvido cancro devido à exposição. Só
que a verdade é que o grande problema de Chernobyl foi a quantidade abismal de
mentiras que se propagaram. Por exemplo, houve médicos na Alemanha que forçaram
mulheres a abortar porque diziam que os filhos iam nascer com defeitos
congénitos. A pessoa que está a investigar o banco de tecidos de Chernobyl, a
professora Gerry Thomas, do Imperial College/Londres, era uma activista anti-nuclear, analisou o efeito da radiação e tornou-se pró-nuclear.
Há
de facto mais riscos, das substâncias tóxicas, por exemplo?
Uma
em cada cinco mortes ao nível mundial já é devido aos efeitos de estufa, às
nossas emissões de CO2. Os números dizem outra história. Mesmo Chernobyl, onde
houve partes do reactor espalhado pelas zonas circundantes, por não haver
edifício de contenção [hoje há], era uma reserva natural antes da guerra [de
Putin] e um destino turístico. O reactor 3 de Chernobyl, no edifício ao lado do
reactor 4, que explodiu, continuou a operar até 2000. E se lhe disser que já
morreram mais pessoas a instalar painéis fotovoltaicos em telhados do que em
Chernobyl? O que temos no nuclear é um grave problema de comunicação. Já me
chamaram maluco, lobista, ameaçaram-me de morte... As pessoas perdem a
racionalidade quando se debate o assunto.
Quando
ouvimos Inês Sousa Real, do PAN, contra o nuclear, este que é para muitos um
partido visto como referência...
O
PAN não é referência de nada em termos de evidência científica. Os partidos
europeus verdes surgiram nos anos 80 quando se viu que havia espaço político
para eles e sempre foram anti-nucleares e não propriamente ambientalistas. O
aquecimento global foi a melhor coisa que lhes aconteceu porque finalmente
ficaram com alguma coisa credível para lutar. Estes são partidos com ideologias
que não estão baseados em evidência científica. Já desafiei a Inês Sousa Real para vários debates, nunca tenho resposta. O antigo ministro do ambiente João
Matos Fernandes e o secretário de Estado do Ambiente, João Galamba, não dão
ouvidos a ninguém. E o actual ministro do Ambiente também não o estou a ver a
discutir com ninguém. Os nossos políticos infelizmente vivem em bolhas, desde
idades muito tenras, e não têm uma mundividência. Não têm de saber de tudo, mas
têm de se cercar de assessores que saibam. Não o fazem.
Como
convenceria a deputada do PAN?
É
impossível convencer certas pessoas. Há pessoas que já dedicaram a carreira a
dois ou três cavalos de batalha: a agricultura biológica – que se sabe que não
é mais sustentável – e a ser anti-nuclear. Inês Sousa Real não é uma
ambientalista, é líder de um partido com uma ideologia que não é baseada em
evidência científica. Tivemos trocas no Twitter, quando a desafio para o
debate, ela desaparece. As pessoas não estão habituadas ao contraditório.
Então
porque é que o nuclear é difícil de comunicar?
Porque
é um tema extremamente complexo. Posso usar a explicação que usaria com os meus
sobrinhos de 10 anos: são umas pedras que largam uma quantidade de calor
extremo e que nós conseguimos controlar. Por exemplo, um pellet de urânio (do
tamanho de uma goma), equivale a uma tonelada de carvão. É uma fonte de energia
muito densa. Os estudos indicam que a energia nuclear é mais segura e limpa que
a eólica ou a hídrica. Não há dúvidas que temos de descarbonizar porque somos
uns peixinhos num aquário a sufocar – mas é extremamente difícil fazê-lo. Na
RePlanet queremos acabar com os combustíveis fósseis, mas achamos que não lhes
foi dado o devido respeito.
Porquê?
Os
combustíveis fósseis trouxeram-nos até aqui, meteram o Homem na Lua,
permitiram-nos montar a infraestrutura de telecomunicações e são extremamente
úteis. O problema é que vamos ter de descarbonizar não só o sector elétrico,
como os transportes, a agricultura, tudo o que produz carbono. Tem de existir
vontade política e decisões com a verdadeira noção do seu impacto. Enquanto
tivermos pessoas em Portugal que morrem intoxicadas em casa porque queimam o
que encontram porque têm frio, é complicado. E não podemos transformá-las em
vilões do clima. Parece que a transição energética em Portugal é uma coisa que
começa na Lapa e termina no Saldanha, e está um bocadinho na Foz do Porto, em
Cascais e em Azeitão – com os seus painéis solares. Veja-se o caso da
Califórnia e dos painéis solares.
O
que aconteceu?
Começaram
a aumentar as tarifas de eletricidade para fazer descontos nos painéis solares.
Mas, nos EUA, quem é que tem dinheiro para comprar painéis solares?
As pessoas
com vivendas, que tiveram um abate nos preços dos painéis, no preço da
eletricidade, mas as pessoas mais pobres, que não têm um painel, pagaram mais.
Foi uma transferência de dinheiro dos pobres para os ricos.
Como
vê a COP27?
É
um local onde os políticos perderam o pudor de mentir, e nota-se que não
percebem o desafio que temos pela frente. O projeto de descarbonização vai
fazer o programa Apollo parecer um projeto de ciências da primária.
O
que acha dos grupos que atiram sopa a quadros ou as manifestações dos jovens
pelo clima?
É
triste vermos as crianças com necessidade de pegar na manta do ativismo e ir
fechar escolas. Concordo com a revolta deles, mas acho que há manifestações que
têm o efeito contrário. Atirar sopa a quadros não funciona, mas o grupo que se
sentou em frente aos aviões privados causou simpatia. Apesar disso, não
concordo com as suas reivindicações porque não estão baseadas na realidade.
Dizem que querem combustíveis mais baratos, mas que se consuma menos. Querem
mais carros elétricos, mas o cobalto vem do Gabão, onde é todo minado por
mão-de-obra escrava infantil. Tem de existir uma figura como Greta Thunberg,
para pôr as pessoas a discutir o assunto. Ela durante anos disse: “Temos de
ouvir os cientistas” – concordo perfeitamente. Só que a partir do momento em
que lhe foi dito que a evidência científica apontava para o facto de termos de
usar alguma percentagem de energia nuclear na nossa matriz energética, para
descarbonizar dos combustíveis fósseis, a Greta disse: “Não, dêem-me outra
ciência.” Isso não faz sentido.
Foi
por isso que decidiram criar a RePlanet Portugal?
Já
fizemos parte de outros movimentos que diziam ser baseados em ciência mas, na
verdade, não eram. Saí do Volt, o partido político, por causa do Volt Alemanha,
que é uma fachada dos verdes alemães. A transição energética parece uma briga
de claques, porque há quem defenda o 100% renovável, que é uma fantasia – não
temos tecnologia para isso. A Alemanha apostou no eólico e no solar, acabou com
o nuclear, mas estão a abrir minas de carvão. E as emissões aumentaram. Depois
temos a Greenpeace com uma frota de barcos. Onde vão buscar o dinheiro?
Onde?
Não
sei de onde vem todo o dinheiro, mas a Greenpeace é patrocinada pela Gazprom na
Alemanha.
De
Putin?
Sim.
A WWF é patrocinada por agências russas. Talvez não saibam, mas há estudos que
o demonstram.
A
RePlanet pretende o quê? Chegar ao parlamento?
Não.
Queremos ser ouvidos. Queremos que se dê uma oportunidade a algumas tecnologias
que são promissoras – como um dos substitutos da carne, por exemplo – e
queremos acabar com o estigma em relação à energia nuclear. Os ambientalistas
tradicionais cavaram a sua própria trincheira e agora estão lá metidos. Nós
queremos criar pontes. ●
* comendador Pinho do Eça de Queirós