O
(nosso) problema estrutural é CARÁCTER. É
comum ― tão comum
que me causa asco ―
ouvir e ler da autoria de uma série de personagens muito bem
informadas, superiormente formadas técnica e/ou cientificamente,
socialmente diligentes como poucos, … que este, aquele e aqueloutro
problema(s) é estrutural. É assim na saúde, na justiça, no
ensino, ... Sempre
replico ― sem perder a noção de que confrontá-los ou
afrontá-los, é fazer algo semelhante a uma apostasia
numa teocracia ―, que o nosso problema estrutural é de tal
amplitude e tamanha magnitude que, em tese, é irresolúvel. Corre(-nos)
no sangue! (e contra isto não há inconformismo que valha).
O
desiderato não é a formatação das instituições, nem as molduras
políticas e jurídicas do sistema, não está na débil e medíocre
instrução dos mais directamente interessados – o 'mundo' e a clarividência dos 'urbanos', neste âmbito, vale o mesmo que a ausência de
perspicácia e a farronquice dos ‘provincianos’. O
problema é o nosso carácter, comum! Não há remédio a prescrever;
o remédio está na forma como «cada um percepciona as distorções,
gere as aberrações, e decide conviver com elas» **
Nada é novo
nesta matéria e/ou nas correlatas ― o que os alumiados, polímatos
e industriados dizem novo, é velho e relho. Em 1972, Jorge de Sena
‘epistolografou’ para Eduardo Lourenço
“o que temos é uma colecção de medíocres. Não vale a pena. Portugal é isso, será sempre isso, e as gerações sucedem-se cada uma mais canalha que a outra. Portugal é a bosta da vaca a cujo calor nascemos e medrámos. (…) os maus hábitos do passado continuam vivos (…) ninguém dá por nada (…) aparecem, juntam-se, reclamam-se, parecem todos e só são alguns.”
Calhou andar a ler um interessante livro, publicado
em 1926, da autoria de Júlio Ferreira Pinto, prefaciado por Ferreira
do Amaral (ten. cor.) onde, em «Notas e Comentários», se lê
“hoje em dia as coisas andam tão fora deles, que os competentes se afastam cheios de desgosto e indiferença, cedendo os seus lugares aos audaciosos, aventureiros e ignorantes (…) ocupados em amparar os partidários que escorregam mas que nunca chegam a estatelar-se porque ao contrário de toda a gente, quando tal acontece, nunca é por falta de patriotismo, fé republicana, e boas intenções (…) O que é muito difícil, quando não impossível, é conseguir-se que haja juízo, bom senso, seriedade e vontade de trabalhar para recuperar o tempo perdido, muito principalmente nos meios políticos, onde reinam a incompetência e os expedientes em tudo que diz respeito à administração pública. Isso, sim, é que é difícil obter-se.”
É imprescindível não ignorar que somos campeões nas
adversativas (ora conjunções, ora advérbios) ―
«mas», «porém», ... ―
e mestres da condicional ―
«se». Mais:
comummente a adversativa é usada não como método de aferição de
verdade-erro, plausibilidade ou exequibilidade, mas como antecâmara
verborreica para dissimulação da nossa genuína incompatibilidade
com as «margens» (os efeitos marginais). O uso da condicional quase sempre sinaliza o início de
um trilho retórico que os propositores esgrimem sem a mínima
intenção de trilhar.
No caso informado (ver anexo) escolha as
designações apropriadas ―
amiguismo, laxismo, irresponsabilidade, esperteza, nepotismo,
endogamia, …, de alto a baixo, a montante e a jusante. Ou seja: no
que a procuradora, por anos, conseguiu «fazer que fazia», na
fiabilidade da notação profissional, na competência e esmero dos
inspectores, na justiça implacável dos pares, no censo de justiça
dos juízes do Supremo, na esperteza estratégica dos defensores da
ré, na plasticidade caracterial com que a sociedade digere toda esta
«porcaria». E sem
afrontamentos conhecidos!
Convém actualizar e precisar as noções de «personalidade» e «carácter» até porque o comum é uma enorme confusão entre uma coisa e a outra. Haverá com toda a certeza muito ‘patife’ (designá-los como?) que. ao ler isto, verberá-lo-á com a execração «generalização» - é a censura estrutural, ou melhor: estruturante.
* “ver e notar do mundo o desconforto”, (Luís Vaz de) Camões