19/08/2021

Do Afeganistão, preocupa-me (o futuro de) Taiwan

A (sub-)espécie prevalente no ecossistema das faldas e vales da cordilheira do Hindu Kuch e mais a farândola endoutrinada nas madrassas, que desaguou em Kabul para instituir o Emirado islâmico do Afeganistão, interessa-me nada. Não lhes lamento o destino ― desde que contenham benefícios e prejuízos (independentemente da sua natureza) dentro das suas fronteiras.
Já que ao longo de milénios os povos do ‘império das estepes’ foram incapazes de realizar uma magna jirgah por forma a tentar constituir-se como nação, terão de se amanhar com a teocracia que lhes é imposta.
Não os lastimo! Ao invés de terem deixado que o ‘sangue que lhes corre nas veias’ bradasse mais, tivessem realizado os mínimos ― um deles seria “lutar por um certo futuro”. Mas não ‒ a maioria optou por uma cumplicidade dissimulada com umas dezenas de milhar de famélicos e miseráveis enquadrados por talibans.
Sucede(u) – é a dinâmica dos povos! Os povos escolhem livremente os heróis, determinam as preferências, e essas escolhas espelham o que são ‒ no decurso das centúrias podiam ter preservado a cultura Timurida, primeiro, não perder Samarcanda, segundo, cerrado fileiras em redor de Ahmad Durrani, terceiro,…mas sempre optaram pela tribo e/ou clã. Se, ao invés de terem deixado que o ‘sangue que lhes corre nas veias’ bradasse mais, tivessem realizado os mínimos a débacle de Kabul era evitável’.

Fatalmente, faz caminho a tese da «humilhação dos Estados Unidos» (e da OTAN) ‒ realce-se todavia que a maioria dos que agora verberam a humilhação (!) são os que bradavam contra as tentações imperialistas ― sim, imperialistas ― dos EUA, OTAN, enfim, da imposição de uma forma de vida e algumas outras depravações.
Quanto a isto, a administração de Biden tem absoluta razão ‒ os ‘editais’ da saída dos americanos do Afeganistão são da administração Obama, e foram revalidados pelas administrações Trump e Biden. E aqui bate o ponto ― as sequentes administrações ianque sabem, de ciência certa, da sua cada vez menor capacidade para o desempenho cabal de ‘polícias do mundo’.

Se o mundo restante não tomou boa nota ou não sabe é porque não quis nem lhe conveio ‒ há milhares de publicações sobre o assunto e matérias correlatas, de todas as formas e feitios, também com fins diversos, a começar pelo bem conhecido «Ascensão e queda das grandes potências» de Paul Kennedy/1988, «Colosso – Ascensão e queda do Império Americano» de Niall Ferguson/2004, os de Henry Kissinger, Emmanuel Todd,…
As sucessivas administrações ianques têm percebido a sua cada vez menor capacidade para o outrora reconhecido papel de ‘polícias do mundo’ e, após um século a ‘sustentar’ todo o tipo de organizações e instituições ― da ONU à miríade de macro-estruturas político-burocráticas que lhe estão apensas (UNICEF, UNESCO, FAO, BM, … por onde
escorrem anualmente milhares de milhões em proveito mais dos burocratas, académicos e ‘intelectuais’ ociosos * do que dos destinatários — em prol da humanidade, a enviar ‘carne para canhão’ para teatros de guerra fora de portas (caso da Iª grande guerra e IIª guerra mundial), a financiar máquinas de guerra de terceiros (à URSS na IIª guerra mundial) e mais o Japão, a Coreia, o Vietnam, o Irão, a Europa durante a Guerra-Fria,...
Pois bem, os americanos estão mais do que legitimados a questionarem-se do «para onde?» e «porquê?» têm de ir os seus filhos combater, e morrer. E o que menos diferença lhes deve fazer é que os acusem de isolacionistas!
Acresce que o presente ‘tecido social’ americano não é, hoje, o que foi há três ou quatro décadas é consultar os dados do último censos. Isso nas sociedades ocidentais determina algumas diferenças apreciáveis com repercussão directa na decisão política.

À Europa resta… os europeus terão definitivamente de assumir-se. As falsas dicotomias têm sido o reino dos políticos e têm feito um exitoso percurso apenas porque há muita gente a aceitar as premissas em causa. Ora, se as aceitem então não se queixem das consequências. A realidade infiltra-se pelas fendas. Assumam-se e deixem de andar de dedo indicador espetado!
Alardear superioridade civilizacional, arvorarem-se em protectores dos desvalidos, constituirem-se voluntariamente em abrigo para toda a sorte de deserdados, perseguidos e ostracizados ‒ ambientais, cataclísmicos, religiosos, políticos,…‒ montados no poder militar dissuasor dos americanos, acabou.

No seio disto há Taiwan e os 24 milhões de netos e bisnetos de Chiang Kai-shek, que não estiveram dispostos a aturar a “marcha” e o destino idealizado pelos maoístas, fizeram da Formosa ‒ meio-caminho entre a República Popular da China e o Japão ‒ uma nação próspera reclamada por Pequim. E com estes os EUA nunca poderão limitar-se a encolher os ombros e deixá-los ao sabor do vento.





 * sobre estes cortesãos há um excelente capítulo de Zia Haider Rahman/2014

15/08/2021

Apologia do 'diabo' *


Parece-me que, a divulgação do Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, obteve um impacto apreciável
mais do que qualquer outro, anterior. As razões são manifestamente óbvias e, por isso, não desperdiço tempo o(s) comportamento(s) dos néscios, dos gansos e dos porcos é, hoje, em tudo, idêntico ao dos seus ancestrais. Albrecht Dürer ‘retratou-os’. 
O relatório em apreço está aqui

‘Desperdiço’ tempo, sim, com as alternativas. E de entre elas, a menos lírica leia-se, a mais repelida a nuclear.
Se pensássemos por nossa conta, teríamos muitos mais livros bons.”, G. Lichtenberg.

Dois dias depois da divulgação daquele relatório, a
UNECE (Comissão Económica da ONU para a Europa) publicou outro que pode ser consultado, aqui

“(…) a energia nuclear é uma importante fonte de eletricidade e calor com baixo teor de carbono que pode contribuir para alcançar a neutralidade carbónica e, por conseguinte, ajudar a mitigar as alterações climáticas e alcançar os objectivos da Agenda para o Desenvolvimento Sustentável de 2030”
~ Olga Algayerova, secretária-executiva da UNECE

Como convém ‒ conveio. Convirá ainda? ‒ praticamente não foi divulgado. Prescindo de acusar as hordas de turiferários e mercenários que enxameiam a comunicação social porque, quem nessa avaliação estiver interessado, não lhes faltará imenso por onde esgaravatar…pode começar por Eliseo Verón (Os meios de comunicação social e o acidente da central nuclear de Three Mile Island).

Pelo caminho, recomendo que leiam o que segue
https://ionline.sapo.pt/artigo/743455/a-quem-serve-o-p-nico-climatico-?seccao=Opiniao_i
Menos esclarecidos não ficam.

* de um ensaio de Johann B. Erhard (1795) traduzido por Benedetto Croce