25/01/2021

Para o que se pretende, serve

Os resultados eleitorais foram uma veemente admoestação ao establishment político-partidário. Os votos dos candidatos André Ventura, Tiago Mayan Gonçalves e Vitorino Silva, somados, foi um vigoroso (mais frenético e fervoroso do que consistente) cartão amarelo. E, os admoestados, agradeçam ao calendário a graça de, em 2022, as eleições serem autárquicas ‒ se fossem legislativas a música seria o «Coro dos Peregrinos» da Tannhaüser; assim, e por algumas das razões aduzidas em baixo, vai sendo o Va Pensiero do «Coro dos Escravos» da Nabucco.

Lidas e sopesadas as derradeiras declarações dos candidatos, parece-me que se mantêm firmes na perspectivação à luz de uma realidade que dia-a-dia se extingue, ou seja, desunham-se em ‘garantismos’ sem capital e resgates soberanistas sem independência. Ou seja, consultam e indicam caminhos num mapa de um território que não existe.

O presidente da República, reeleito, compreendeu a extensão da admoestação, efectivará o que lhe está atribuído e deixa de ser uma antepara do governo?
Pelo que lhe ouvi, compreendeu; se daí concorre ou não para a efectivação é o que menos importa porque não sendo consequente, no máximo em 2024, a realidade ensinar-lhe/nos, encarregar-se-á de mostrar com quantos paus se faz uma canoa. 

Há mais de um quartel, Joaquim Aguiar, já sinalizava o desequilíbrio do sistema político porque se ancilosara nas narrativas da fundação sem reformulação de estratégias, sem correção de comportamentos e sem adequação de expectativas. Ora, para haver uma reconfiguração é necessário que algo de extraordinário aconteça. 
Aconteceu! Uma pandemia arrasadora economicamente e profundamente instabilizadora socialmente, como teremos ocasião de vivenciar. 
∞ • ∞ 

Mantenho que o «Chega!» foi, e será, um indutor, reconfigurador (não é pouco!), mas não passará de um epifenómeno. De ontem para hoje, há um apreciável número de votos em André Ventura que se esvaneceram - não serão «Chega!». Ademais n
ão falaram todos os doutores - dos que falam e são determinantes, falou nenhum, e nenhum é português.

16/01/2021

É por estas e outras que não voto no prof. Marcelo

Em 2016, votei no prof. Marcelo ‒ imaginei que servisse de contrapeso à frente de esquerda no poder. À época, não tinha excessivo respeito pelo prof. Marcelo. Hoje não tenho nenhum.

Eis uma compilação representativa do homem que ocupou a chefia do Estado nos sessenta meses anteriores e que, salvo envenenamento por zaragatoas, a ocupará nos sessenta que se seguem.
     A 9 de Janeiro, para justificar a prisão domiciliária de milhões de pessoas, o prof. Marcelo acusou os portugueses de quebrarem o “pacto de confiança” por terem passado o Natal a contaminarem-se com o vírus.
     A 10 e 11 de Janeiro, o prof. suspeitou estar infectado e desatou, “de duas em duas horas”, a submeter-se a testes à Covid, cujos resultados oscilantes mandou publicar no “site” da presidência e cuja reputação saiu arruinada do episódio.
    A 12 de Janeiro, o prof. Marcelo afirmou-se “muito irritado” com as autoridades da saúde, não por estas terem voltado a cancelar o tratamento a inúmeros cancerosos condenando-os a uma morte quase certa, nem por continuarem a desprezar os hospitais privados no combate à epidemia, mas por não lhe darem um esclarecimento escrito sobre a participação dele num debate televisivo.
     Ainda a 12 de Janeiro, o prof. Marcelo propôs à AR o prolongamento do estado de emergência até ao fim do mês, agora com a possibilidade de “medidas de controlo de preços e combate à especulação ou açambarcamento de determinados produtos”.
    A 13 de Janeiro, data de uma “comunicação” do dr. Costa que oficializou a situação ditatorial no país, soube-se também que o Ministério Público andou a espiolhar dois jornalistas, embora sobre ambas as coisas o prof. Marcelo ficasse calado.
     A 14 de Janeiro, o prof. Marcelo achou “inevitável” o aumento da dívida, visto que “não há outro remédio”, e que é “importante” que a PGR investigue o que ocorreu com os jornalistas investigados pela PGR “doa a quem doer”.
    A 15 de Janeiro, o prof. Marcelo já fez mais de 80 (oitenta) testes à Covid e prepara-se para apoiar o “confinamento” até à Primavera. 
Desprezo pelos cidadãos. Paternalismo. Demagogia. Hipocondria. Privilégio. Egocentrismo. Obsessão com o próprio umbigo. Pavor face à eventual impopularidade desse umbigo. Horror ao confronto. Fogachos autoritários. Indiferença estratégica perante as acções calamitosas, e frequentemente criminosas, do governo. Desdém dedicado às consequências ou inconsciência das mesmas. Apreço pela conversa fiada. Relativa infantilização do cargo e do mundo em redor. 
Os estragos que o dr. Costa causou nestes cinco anos só têm rival na placidez com que o prof. Marcelo os permitiu e legitimou. Porém, confesso relativa surpresa com o incondicional beneplácito do prof. Marcelo no processo indispensável ao respectivo êxito. 
Segundo diversos comentadores, a reeleição do prof. Marcelo é a garantia de que o PS não toma conta de tudo. Percebo a ideia. Infelizmente, a ideia não percebe a realidade.

Sob a atentíssima vigilância do prof. Marcelo, o PS conquistou o Tribunal de Contas, o Banco de Portugal, a Procuradoria-Geral da República e uma infinidade de órgãos secundários e terciários por aí abaixo e pelo país afora. Além disso, com inédita desfaçatez, o PS transformou o compadrio em moeda de troca, o empobrecimento em modo de vida e, sob a conivência jovial do prof. Marcelo, a impunidade em habitat natural. 
Em lugar da garantia de que o PS não toma conta de tudo, o prof. Marcelo parece garantir de que ao PS não escapa nada, incluindo, dadas as circunstâncias, a própria presidência da República.
Dadas as circunstâncias, é inútil especular sobre o que seria de nós caso Belém estivesse nas mãos de um marxista confesso. Basta constatar o que é de nós estando Belém como está. E concluir que dificilmente poderíamos estar mais condenados à desgraça. De facto, convém ao dr. Costa ter um alegado “social-democrata”, “liberal-social” ou lá o que é, a amparar-lhe o fanatismo e a inépcia.
Um camaradinha do partido evidenciaria em excesso a arbitrariedade do regime – um “adversário” suaviza-a e ajuda a simular “pluralismo” e “democracia” entre os distraídos e os comatosos. E principalmente na ausência de oposição.

Corre por aí que não compete ao prof. Marcelo substituir-se a uma oposição com a vitalidade dos pisa-papéis. Formalmente, é verdade. Na prática, nunca foi tão necessário um presidente capaz de escrutinar o governo e afrontar os seus abundantes excessos. E nunca, antes do prof. Marcelo, um presidente abdicou tão radicalmente dessa função. Durante cinco anos, o prof. Marcelo preferiu a “estabilidade”.

Haverá mais cinco anos para confirmar que a “estabilidade” dele não se distingue da nossa miséria, material e não só. Mas, desta vez, não com o meu voto.
É melhor perder com decência do que ganhar com vergonha. 

                              • Alberto Gonçalves